quarta-feira, 14 de outubro de 2009

1. JH: Pra começar, como é que na sua vida viveu esse percurso de ser músico? Você já me disse que começou a tocar piano ainda menino. É isso? E quando é que você começou a compor? O que mudou na sua experiência quando começou a compor?

FT: Quando nasci já havia música em casa. Meu pai ganhou de meu avô o piano, um bentley inglês, quando ainda era moço. Esse piano sempre esteve na casa da família, como ainda está. Enfim, embora meu pai tenha abandonado a idéia de ser maestro, como gostaria inicialmente, continua tocando o piano até hoje. Minha mãe também estudou por um tempo e toca de vez em quando. A presença da música em casa cresceu ainda mais ao longo da minha infância, pois meus dois irmãos mais velhos resolveram ser músicos profissionais. Ambos tocavam piano muito bem. Aos 6 anos, salvo engano, comecei a ter aulas de piano. Foram 8 anos de piano clássico e outros 2 anos de piano popular. Nunca gostei muito das aulas, mas sempre amei o instrumento. Achava chata a teoria, os exercícios, mas chegava a ficar horas no piano depois que o professor ia embora. Desde muito cedo eu já cantava também, o que aumentou lá pelos meus 14 anos, quando comprei o violão. E me recordo de algumas composições bobinhas que fiz ainda muito novo, antes mesmo do violão. Mas foi com o violão que comecei mesmo a cantar e, aos poucos, a querer compor. Passei muitos anos desejando compor, sem produzir praticamente nada. Duas ou três músicas incompletas. Comecei a compor de sopetão, aos 22 anos, logo que cheguei na França para uma estadia de 6 meses. Sempre em violão e voz. Havia deixado uma namorada no Brasil e tenho certeza que a saudade e a melancolia foram o combustível desse momento de criação. Voltei da França com aproximadamente 30 músicas, a maioria delas completa, música e letra. Começar a compor mudou bastante coisa em mim. Até então, não me via projetando uma carreira como músico, porque sabia que isso era impossível sem um trabalho autoral. Essas composições me deram essa perspectiva. Depois de voltar ao Brasil, passei alguns anos compondo raras canções, até o renascimento do impulso criativo, há pouco menos de dois anos, acho eu.

2) JH: Eu ouço algumas das composições que você fez pros nossos "cantos de estima" e escuto claramente uma corporalidade, uma experiência do corpo em expansão a partir do plexo solar, sua música tem cor, vermelha e laranja e amarela. É uma música de sensação, estou certa? Você vê o que em si quando toca/ compõe/ canta?

FT: Sim, interessante essa idéia da "música de sensação". Nunca havia pensado nisso, mas acredito que as músicas feitas a partir dos "cantos de estima" são mesmo uma expressão corporal, talvez com a fonte na região do plexo solar, subindo para o peito, expandindo para os braços e para a garganta, despejando na boca e na cabeça como um todo. No final, o corpo inteiro é a caixa de ressonância. A tua impressão das cores quentes também faz sentido para mim. Transformar tua poesia em música foi para mim, sem dúvida, algo sobre traduzir palavras visíveis em energia audível, em movimento sonoro quente. Essa é a sensação que tive ao compô-las e executá-las, um calor íntimo e corporal. Ao compor, é claro que tive que ativar também um lado meu mais mental, pela necessidade de ordenar harmonia e melodia, estruturar o passo do poema em consonância com a música, fazer o todo soar harmonioso. Ao tocar, esse aspecto mental fica de lado e a experiência passa a ser puramente corporal, sensorial, e muito emocional também, à medida em que acesso minha memória e meus sentimentos. Mas é difícil nominar o que sinto ao compor, tocar e cantar. Sei que é algo que se manifesta apenas quando estou compondo, tocando e cantando, sei que é algo bem especial para mim, mas é ainda um processo muito misterioso, que eu talvez nem pretenda desvendar.
 

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